Falar...
Falar o quê?
Talvez o silêncio e a vontade de estar sozinho fossem mais adequados agora, mas quando calo, sinto uma vontade inexplicável de externar...
Aí escrevo...
Mas quando me disponho a escrever sobre algo que me incomoda muito, não consigo encontrar palavras certas. Eu me perco. Fico sem saber como começar...
Respirando fundo...
Resolvi falar dele...
Sobre o quanto ele foi e sempre será importante pra mim.
E também, não me perguntem o por quê, tratarei dos fatos de trás pra frente.
Hoje, abro a porta de casa e sinto um grande vazio. Procuro ele por todos os cantos. Vejo se não está na cadeirinha de estimação, no bureau, embaixo da cama, sempre deixando o rabo à mostra, e tornando verdadeira a máxima "gato escondido com o rabo de fora". Uma sensação parada...as pessoas tentam me confortar com torpedos, telefonemas, recadinhos, depoimentos. Isso, hoje, por melhor e mais sinceras que sejam suas intenções, acreditem: me deixam pior. Fase de negação? De viver a realidade, no primeiro dia? Pois sim...
Minha mãe, depois de mim, a mais apegada. Está num estágio lamentável. Pouco comum ver uma pessoa tão forte, dura como uma rocha, desabar de uma altura tão grande a ponto de não conseguir ir trabalhar no dia de hoje. E mais irônico foi constatar alguém fraco como eu fazendo as vezes de forte, tomando as iniciativas cabais, fazendo o jogo do prático e objetivo, tendo que tomar as rédeas da situação, providenciando enterro, cuidando das mulheres da casa...pra poder despencar com mais calma, filtrando a realidade...deixando-a passar em conta-gotas....
Ontem, em seus momentos finais, estava lá comigo, Quitéria (empregada daqui de casa) e minha mãe. Estava com uma dificuldade absurda de respirar, sem forças pra miar e traquejando...nós tinhamos ido comprar um nebulizador. Na hora do aperto, descobrimos que os dois que tinham aqui em casa estava quebrado. Minha mãe saiu pra comprar. Quem, na hora do sufoco pensaria no gasto de dinheiro em prol de salvar uma vida tão querida? Quase como malabarismo conseguimos montar o troço. Coubera à avó - nervosíssima como sempre - a dura tarefa de vencer seu estado emocional e tentar ver, na bula do aparelho, como ele funcionava. Ao ficar pronto, e na eminência de tentar sugar aqueles líquidos todos que estavam enchendo o pulmão do meu mascote, sentimos que ele mudava o semblante. A pupila dilatou completamente e o corpo amoleceu. O coraçã batia, mas o gato não reagia mais. Cerebral. Mais tarde, o Veterinário veio aqui pra casa. Não podia fazer mais nada, mas fizera questão de examinar o animal semi-moribundo e declarar sua morte. E tentar confortar a família, claro. Ele morrera de falta de ar. O pulmão estava completamente cheio de secreções, oriundas das defesas baixas dele depois de tanto sofrimento vencido. Anemia e retenção de líquido pulmonar foram as principais causas...
Sexta Feira, dia 20. A terceira cirurgia visava retirar uma hérnia adquirida pelos eu mau comportamento de gato em recuperação. Ele já tinha passado por outras duas antes, estava fraco e era esse o maior medo do veterinário - que ele não resistisse. Chegou, num determinado momento das 5 horas de cirurgia, a ficar em coma. Mas como um guerreiro que sempre foi, venceu mais essa batalha e dessa vez ficaria numa gaiolinha pra evitar de se movimentar e correr o risco de desatar as suturas novamente.
Na terça, dia 17, o dia que deveria ter recomeçado - ante todas as desgraças que aconteceram na minha vida nele, começou a eliminar pus. Era resultado das suturas rompidas. O gato era danado, não conseguiu ficar quieto o suficiente mais uma vez. Antes disso, no Sábado 14 ele tinha feito sua segunda cirurgia, que foi justamente pra limpar o pus adquirido por rompimento das suturas da primeira cirurgia, que ocorreu no dia 7. Essa preliminar operação consistia em abrir seu intestino pra retirar as fezes que estavam obstruídas e limpar os cristais em sua bexiga.
No começo de tudo: uma dificuldade de evacuar e moleza no corpo. Tomou lavagem, mas não resolveu. O veterinário pediu um raio X. Constatou o problema. Marcou a cirurgia.
Muito tempo antes, especificadamente em 2007: uma queda fez com que ele quebrasse a patinha e mancasse pro resto da vida.
Em 2006, comeu um rato envenenado, foi hospitalizado e ficou entre a vida e a morte. O que salvou, pasmem, foi sua gordura: fez com que o veneno não atingisse antes do inibidor ser aplicado. Chegou também a entrar em coma. Resistiu. Venceu.
A saga do gato guerreiro, no entanto, não poderia começar de outra forma. Naquele Novembro de 2004, numa ninhada nascida antecipadamente, foi o único com menos condições de vingar. Com muitas dificuldades respiratórias, ele quase se foi. Se não fosse minha ajuda e de minha mãe, que providenciamos sua ida ao médico veterinário à tempo, ele não teria, decerto, condições de construir essa linda história descrita nessas escassas linhas. Por ele ser frágil, com uma respiração que parecia um motorzinho, mas meigo, nada bravo e manso, não tinha outro caminho a percorrer que não fosse ser o gato mais amado da casa.
Muito dócil, fiel, alegre, manhoso...
Ele faz falta.
A casa perdeu um colorido imenso agora. Perdeu a alegria. Aquela vontade de sorrir só em vê-lo.
Tão conhecido companheiro. Tão atuante cúmplice. Tão ouvinte. Tão amigo.
Eu vivo procurando-o.
Fico sonhando em revê-lo, com seus pêlos que parecem nuvens, sua fofura que me fez companhia por longos e longos anos.
Não sentiria tanta falta de muitos humanos...
As pessoas não entendem. Acham supérfluo gastar tanto sentimento por um simples felino. Ou acham um absurdo gastarmos tantos na tentativa de salvá-lo.
Bem, quero que as pessoas se danem.
Amor verdadeiro sempre foi o que eu senti por ele.
Sua morte realmente me baqueou.
E não sei quando conseguirei, de fato, me reerguer.
BANKI BENFORD04-11-200422-11-2009Rest in Peace!
TH - :´(