Precon... o quê?!
Uma vez ouvi falar de preconceito e resolvi “assuntar” sobre isso...
Saí perguntando pra ômi, mulé e minino... que diaxo era isso?!
“Precon... o quê?”, a maioria engasgava.
Para uns era crendice, para outros, superstição, intolerância... tamanha inexatidão!
É àquelas coisas contra preto, pobre, gordo, gay, ateu, analfabeto..., alguém falou.
Logo pensei: “então diga que danou-se... que serei eu?”
Filho concebido numa noite incomum, cria duma lavadeira cachaceira e de um pai viado e, ainda por cima nêgo, que numa noite malassombrada, tomado por uma força do além, se viu ludibriado por àquela força diferente, a qual o transformou de bambi em príncipe e, sem ter nem pra quê me fizeram.
Nasci com bronzeado perpetuo, mas sem lugar ao sol.
A última lembrança que tenho de meu pai foi ele dizendo:
- Eu sou homem e gosto de outro homem.
Então um cabra lá, num sei de onde, lhe respondeu:- Se você for bonito, rico, bem sucedido... maravilhoso!
- Do contrário vão lhe dizer: além de feio, viado!
Quando essa história vazou, com ela vazou meu pai, que fugido do meu avô, decidiu não mais voltar...
Já minha mãe foi a pessoa mais amorosa que conheci na vida... amava tanto que teve vários filhos, cada um dum ômi diferente...
Era uma pessoa conhecida na minha cidade, por onde ela passava o povo gritava: “Já vai a rapariga!”.
E numa noite de amor, minha mãe foi e não mais voltou...
Disseram que ela morreu por causa da bebida ou por excesso de amor.
O seu destino real eu não sei, o que sei é que cresci sem pai, nem mãe, sendo praticamente um filho de chocadeira
fui bater na casa do meu avô, um ômi bruto, daqueles bem cavalo.Um homem cheio de rancor no coração que vivia falando:
- Já fui o futuro da nação, um grande irmão, um bom partido até então...
- O tempo passou e o que restou do eu velho então?Eu sei que dessa vida num quis saber mais não... me falaram que lugar bom é um tal de Sum Paulo... lá pras bandas do finalzinho do país...
Na viagem eu conheci uma moça, ela era bonita, uma formosura só, mas muitas das pessoas tinha medo dela, não entendia o porque...
me aproximei dela e perguntei, foi quando ela disse:
- Sou mulher bem resolvida, atrevida e audaciosa...
- Por ser independente levo o nome de fogosa!
Se ela tem fogo eu num sei... mas vi muito macho descabreado só de olhar pra ela...
E num foi que eu cheguei na tal de Sum Paulo... um mundaréu de cidade... de tudo tinha de muito, muito carro, muita gente, muito tudo...
Logo me animei e fui mimbora atrás dum emprego...
Ai o dotô me olhou dos pés a cabeça e disse:
- Como você tem coragem de vir até aqui me pedir um emprego? Tu és analfabeto, não tem nenhuma formação técnica e seus parâmetros físicos não correspondem com as expectativas físicas e funcionais do nosso mercado de trabalho.
Quando ouvi isso chega arregalei os olhos, nunca tinha ouvido tantas palavras bonitas em toda minha vida, embora não tivesse entendido nada do que o doto falou. Então voltei a perguntar:
- Sim seu dotô, mas eu posso trabalhar pro sinhô?Foi quando ele disse:
- Você é ignorante, feio e pobre, eu trabalho com o público, aqui não tem lugar pra você!
Mas seu dotô... Se ao menos fosse um preto, tingido de branco, dirigindo um carro do ano... tudo seria diferente.
Mas sou negro, preto, pobre! Não sou bandido, favelado.
Sou nordestino, faminto, retirante...
O que eu sei é que seu dotô nenhum quis me dar um trabalho...
Porque sou negro, sou pobre, sou retirante
Sou gordo, sou feio, ignorante
Sou ignorante das letras elegantes, mas sou sabido da arte da vida e da sobrevivência...
Mas antes de tudo, sou brasileiro.
Chimene Chiara
TH - Arrasou, Chi! ;)