Entre crises de choro e de consciência, uma angustiada rotina. Uma sensação de vazio. Mais do que a abstinência - o que mais lhe doía a alma era ausência.
Ausência de quem é do bem. De quem sempre lhe fora companhia, ainda que à distância. De quem só tem pureza no coração e que lhe ensinava diariamente a ser uma pessoa melhor.
Ruptura. A palavra por si já causa estrago. Mas ela se faz agora necessária.
Ele se vale de qualquer artifício para poder consertar, voltar atrás. Faria qualquer coisa, muito mais do que se imagina, se isso representasse um novo começo, um renascimento. "Chorar pelo leite derramado não adianta", dizem e prosseguem: "Porque não assumir as conseqüências de seus atos e tirar um belo aprendizado disso tudo? Fazer as pessoas sangrarem e sair intacto, isso não é justiça, logo a justiça que você sempre clamou".
Ele não consegue responder. Só se encolhe na posição fetal. "Tão bom quando eu era criança. A vida de adulto é cheia de regras pra seguir, e se você não evoluir, vai acabar cada vez mais tendo essas atitudes infantis quando não são mais cabíveis".
Maldade não. Desorientado e despreparado sim. Da pior forma possível. Ele não conseguiu sair da bolha que sempre se revestiu pra deixar as benesses da vida de adulto adentrarem. Ele acreditou que poderia continuar fazendo parte dessa bolha paralelamente à sua vida que estaria tudo bem.
Caiu do cavalo. E feio. E não havia o preparo suficiente pra correr atrás do prejuízo. Resultado: está sem norte.
Sem rumo. Com a vida comprometida com sua falta de crescimento.
Muito tempo perdido na bolha. Muitos anos desperdiçados sem qualquer coerência ou explicação.
Um fraco. Um derrotado. Um ser sempre intranquilo e indigno de qualquer admiração.
Um ser na lama, no fundo do túnel, afundando cada vez mais...
Mas ainda assim, um ser que ama.
O amor é como uma vida. Quando despedaçada, as feridas cobrem todo o corpo e causam sensações terríveis. Aquela típica dor que você pensa que será permanente. Mas o ser humano tem uma capacidade incrível de se regenerar. Mais do que isso, ele consegue a proeza de ressurgir ávido por recuperação e pronto pra continuar rumando.
Junto ou separado? Não se sabe...
O que se sabe, contudo, é que o ser, por ter plena consciência de tudo isso, por aceitar seu destino e seu vazio, sua situação periclitante atual, já se torna digno do tão esperado "segundo olhar" que as pessoas podem ofertar. A despeito de todo alarde comercial envolvido, o Natal é sim, na sua essência, um período de milagres. Milagres no coração.
O famigerado ser que está na lama acredita piamente nisso. Mais ainda: ele confia nesse fiapo de esperança pra se salvar. Ele tá na lanterna dos afogados, sem saber onde ir, mas sinalizando que precisa ser salvo. Salvo da bolha. Salvo como todo ser humano de potencial não óbvio merece ser. Salvo como todos aqueles que não no último lugar do podium precisam pra progredir.
Salvo porque ainda ama. Ainda quer e vai conseguir...
Há a possibilidade dele não conseguir mais ser inteiramente feliz. Não está em depressão. Só é custoso acordar. Ele abre os olhos, senta na cama, reza, chora, respira e se levanta.
Parece que é algum tipo de defesa do corpo dele pra não enlouquecer de dor. O dia segue com pequenas "armadilhas": um livro que foi presente de aniversário de um lado, o DVD de uma série que acompanharam juntos de outro. Toca então as lembranças, essas sim as mais doídas de todas. Apertam mais porque sabe que tudo isso foi fruto de sua fraqueza. Sim, a culpa foi sua. A culpa confessa faz com que todo seu dia prossiga aéreo, reflexivo. É tão difícil tomar decisões como o que comer, por exemplo. Ele tentara estudar, ver televisão, não fazer nada. Tudo o remetia ao acontecido. E a culpa acompanhando pra onde quer que fosse. A culpa produz a vergonha e, consequentemente, a vontade de desistir de tudo. De ir até a circunstâncias extremas - nesse ponto começa a entender as pessoas que cometem loucuras como suicídio, por conta do amor.
Ele está sangrando. Não quer se comparar com a outra dor, mas também está. A pulsão de vida pode nunca mais ser como a de antes, ele tem a certeza de que, como uma pessoa amputada, vai ter que conviver com a dor pra sempre se não houver o recomeço.
Clama, então, por ele...